A morte
A morte é uma simples mudança de estado, a destruição de uma forma frágil que já não proporciona à vida as condições necessárias ao seu funcionamento e à sua evolução. Para além da campa, abre-se uma nova fase de existência. O espírito, debaixo da sua forma fluídica, prepara-se para novas reencarnações e acha no seu estado mental os frutos da existência que findou. A morte é apenas um eclipse momentâneo na grande revolução das nossas existências; mas, basta esse instante para revelar-nos o sentido grave e profundo da vida. A própria morte pode ter também a sua nobreza, a sua grandeza. Não devemos teme-la, mas antes, nos esforçar por embelezá-la, preparando-se cada um constantemente para ela, pela pesquisa e conquista da beleza moral, a beleza do espírito que molda o corpo e o orna com um reflexo augusto na hora das separações supremas. A maneira porque cada qual sabe morrer é já, por si mesma, uma indicação do que para cada um de nós será a vida além do túmulo... Toda morte é como um parto, um renascimento; é a manifestação de uma vida até aí latente em nós; depois de certo tempo de perturbação, tornamos a encontrar-nos, além do túmulo, na plenitude das nossas faculdades e da nossa consciência, junto dos seres amados que compartilharam as horas tristes ou alegres da nossa existência terrestre. A morte é a entrada num modo de vida mais rico de impressões e de sensações. Não somente ficamos privados das riquezas espirituais, como também estas aumentam com recursos tanto mais extensos e variados, quanto a alma se tiver preparado melhor para goza-la. A morte nem sequer nos priva das coisas deste mundo. Continuaremos a ver aqueles a quem amamos e deixamos atrás de nós. De onde estivermos, veremos as mudanças que ocorrem neste planeta; assistiremos às novas descobertas, ao desenvolvimento social político e religioso das nações, e, até à hora do nosso regresso à carne novamente, em tudo isso haveremos de cooperar fluidicamente. Para a maior parte dos homens, a morte continua a ser o grande mistério, o sombrio problema que ninguém ousa olhar de frente. Para nós, ela é a hora bendita em que o corpo cansado volve à grande Natureza deixando a prisão e então, o espírito livre, volta para a pátria espiritual. Essa pátria é a imensidade radiosa, cheia de sóis e de esferas. Junto deles, como há de parecer raquítica a nossa pobre terra ! A hora do crepúsculo, quando a noite desce sobre a terra, quase sempre, apodera-se de nós uma espécie de tristeza. facilmente podemos afugenta-la, dizendo no nosso íntimo: Depois das trevas virá a luz; a noite é apenas a véspera da aurora ! Quando acaba o outono e o deslumbramento da natureza informa que vai suceder o inverno taciturno, consolamo-nos com o pensamento das florescências futuras. Por que existe, pois o medo da morte, a ansiedade pungente, com relação a um ato que não é o fim de coisa alguma ? É quase sempre porque a morte nos parece a perda, a privação súbita de tudo o que fazia a nossa alegria. Bem longe de afugentar a idéia da morte, como em geral o fazemos, saibamos, pois, encara-la face-a-face, pelo que ela é na realidade. Esforcemo-nos por desembaraça-la das sombras e das quimeras com que a envolvem e averiguemos como convém nos prepararmos para esse incidente natural e necessário do curso da vida... Mais dia menos dia, temos de ficar livres do invólucro carnal, que, depois de haver prestado os serviços esperados, se torna impróprio para seguir-nos em outros planos do nosso destino. Como é possível que aqueles que crêem na existência de uma Sabedoria previdente, de um Poder ordenador, qualquer que seja, aliás, a forma que emprestem a esse Poder, considerem a morte um mal ? Ela apenas representa um papel importante na evolução dos seres. Fortaleçamo-nos com o pensamento do porvir sem limites... A confiança na outra vida estimulará os nossos esforços, torná-los-á mais fecundos. Nenhuma obra de vulto e que exija paciência pode ser levada a cabo sem a certeza do dia seguinte. A cada vez que os golpes sejam distribuídos pela morte, no seu esplendor austero, torna-se um ensinamento, uma lição soberana, um incentivo para trabalharmos melhor, para procedermos melhor e para aumentar constantemente o nosso desprendimento . O pensamento de que o nosso corpo será também por sua vez depositado na terra, provoca como que uma sensação de angústia e asfixia. No entanto, todos os corpos que por nós foram animados no passado, jazem igualmente no solo ou vão sendo paulatinamente transformados... Estes corpos eram simples vestuários usados; a nossa personalidade não foi enterrada com eles; pouco nos importa hoje o que deles foi feito. Por que havemos, então, de nos preocupar com a sorte do último do que com a dos outros? Inúmeras vezes, a imaginação do homem povoa as regiões do além com criações assustadoras, quase tornam horripilantes para ele. Certas igrejas ensinam, também, que as condições boas ou más da vida futura são definitivas, irrevogavelmente determinadas por ocasião da morte e essa afirmação perturba a existência de muitos; outros temem o insulamento, o abandono no plano espiritual. A doutrina Espírita vem por termo a todas estas apreensões; mostra-nos a vida de além-túmulo indicações exatas; dissipa a incerteza cruel, o temor do desconhecido que nos atribulam. A morte, diz-nos ela, em nada muda a nossa natureza espiritual, os nossos caracteres, o que constitui o nosso verdadeiro "eu"; apenas nos torna mais livres, dota-nos de uma liberdade, cujo extensão se mede pelo nosso grau de adiantamento. De um como do outro lado, temos a possibilidade de fazer o bem ou o mal, a facilidade de adiantar-nos, de progredir, de reformar-nos. Por toda a parte reinam as mesmas leis, as mesmas harmonias, as mesmas potências divinas, nada é irrevogável. O amor que nos chama a este mundo, atrai-nos mais tarde para o outro; mas, em todos os lugares, esperam-nos amigos, protetores, arrimos. Ao passo que neste mundo choramos a partida de um dos nossos, como se ele fosse perder-se no "nada"; no plano espiritual, os amigos glorificam a sua chegada à luz, da mesma forma que nós nos alegramos com a chegada de uma criancinha, cuja alma vem, de novo desabrochar para a vida terrestre. "Os mortos são os vivos no céu". Muitas pessoas temem a morte por causa do provável sofrimento físico que a acompanha. Sofremos, é verdade, na doença que acaba pela morte. No instante da morte do corpo físico, quase nunca há dor; morre-se como se adormece. Essa opinião é confirmada por todos aqueles a quem a profissão e o dever chamam freqüentes vezes para a cabeceira dos moribundos. No entanto, se considerar o sossego, a serenidade de certos doentes nas horas derradeiras e a agitação convulsiva, a agonia de outros, deve reconhecer-se que as sensações que precedem a morte são muito diversas, em relação aos indivíduos. Os sofrimentos são tanto mais vivos, quanto mais numerosos e fortes são os laços que unem o espírito ao corpo. Tudo o que os pode diminuir, enfraquecer, tornará a separação mais rápida, a transição menos dolorosa... Se a morte é quase sempre isenta de sofrimento para aquele cuja vida foi nobre e bela, não sucede o mesmo com os sensualistas, os violentos, os criminosos, os suicidas etc. Uma vez transposta a passagem, uma espécie de perturbação, de entorpecimento, invade a maior parte dos espíritos que não souberam, preparar-se para a partida. Nesse estado, as suas faculdades ficam veladas, as suas percepções mal se exercem através de um nevoeiro mais ou menos denso. A duração da perturbação varia segundo a natureza e o valor moral do espírito; pode ser muito prolongada para os mais atrasados e chegar a anos até; depois, pouco a pouco vai-se clareando o pensamento; as percepções ganham maior nitidez. O espírito readquire a lucidez; desperta para a nova vida. No estado de perturbação, o espírito tem consciência dos pensamentos que se lhe dirigem. Os pensamentos de amor e caridade, as vibrações dos corações afetuosos brilham para ele como raios na névoa que o envolve; ajudam-no a soltar-se dos últimos laços que o acorrentam à terra. É por isso que as preces inspiradas pelo coração, pronunciadas com calor e convicção, principalmente as preces improvisadas , são benfazejas para o espírito que deixou a vida corporal; pelo contrário, as preces vagas, pronunciadas maquinalmente, não adquirem o poder vibratório, que faz do pensamento uma força penetrante. O cerimonial religioso, em uso, pouco auxílio e conforto dá; é quase que um escândalo ver a desatenção com que se assiste, em nossa época, à uma cerimonia fúnebre. A atitude dos assistentes, a falta de recolhimento, as conversas banais, tudo causa penosa impressão. Bem poucos dos que formam o acompanhamento pensam no "morto" e consideram como dever projetar para ele um pensamento afetuoso. As preces fervorosas dos amigos, dos parentes, são muito mais eficazes para o espírito do que as manifestações do culto mais pomposo; não é, contudo conveniente nos entregarmos desmedidamente à dor da separação. A saudade da partida é, legítima, e as lágrimas sinceras são sagradas; mas, quando demasiadamente violentas, esta saudade entristece e desanima aquele que é objeto e, muitas vezes, testemunha dela. Em vez de lhe facilitarem o vôo para o espaço, retém-no nos lugares onde sofreu e onde ainda estão sofrendo aqueles que lhe são caros. O conhecimento que nos tiver sido possível adquirir das condições da vida futura, exerce grande influência em nossos últimos momentos; dá-nos mais segurança; abrevia a separação da alma. Para nos prepararmos com proveito para a vida do além-túmulo, é preciso são somente estarmos convencidos da sua realidade, mas também lhe compreender as leis, ver com o pensamento as vantagens e as conseqüências dos nossos esforços para o ideal moral. Os nossos estudos psíquicos, as relações estabelecidas durante a vida com o mundo invisível, as nossas aspirações às formas de existência mais elevadas, desenvolvem as nossa faculdades latentes e, quando chega a hora definitiva, como se encontra já em parte efetuada a separação do corpo, a perturbação pouco dura... O espírito reconhece-se quase logo; tudo o que vê lhe é familiar; adapta-se sem esforço e sem emoção às condições no novo meio. Quando se aproxima a hora derradeira, os moribundos entram muitas vezes na posse dos seus sentidos e percebem os seres e as coisas do invisível, numerosos são os casos, mas basta lembrar, que muitos deles dizem que os parentes e amigos se encontram ali, junto a eles. Em resumo, o melhor meio de conseguirmos uma "morte" suave e tranqüila, é viver dignamente, com simplicidade e sobriedade; é viver uma vida sem vícios nem fraquezas, desapegando-nos antecipadamente de tudo o que nos liga à matéria, idealizando a nossa existência, povoando-a de pensamentos elevados e ações nobres. Sucede o mesmo com as condições boas ou ruins da vida de além-túmulo. Dependem também unicamente da maneira porque desenvolvemos as nossas tendências, os nossos apetites, os nossos desejos. É na atualidade que precisamos preparar-nos, agir, reformar-nos e não no momento em que se aproxima o fim da caminhada. Seria pueril acreditarmos que a nossa situação futura depende de certas formalidades mais ou menos bem cumpridas à hora da partida. É a nossa vida inteira que responde pela vida futura; uma e outra se ligam estreitamente; formam uma série de causas e efeitos que a morte não interrompe. Expulsemos para longe de nós os terrores vãos, as visões infernais, as beatitudes ilusórias. O futuro, como o presente, é a atividade, o trabalho; é a conquista de novos postos. Tenhamos confiança na bondade de Deus, no amor que Ele tem às suas criaturas e avancemos com firmeza no coração para o alvo que a todos Ele marcou. Além do túmulo, o único juiz, o único algoz que temos, é a nossa própria consciência. Adormecida muitas vezes durante a vida, acorda com a morte e a sua voz se eleva; evoca as recordações do passado, as quais despidas inteiramente de ilusões, lhe aparecem sob a sua verdadeira luz, e as nossas menores faltas se tornam causa de incessantes pesares... "O conhecimento de si mesmo é o único castigo e a única recompensa do homem" Oliver Fontes: (O problema do ser, do destino e da dor, Leon Denis; O céu e o inferno, Allan Kardec; Ementário Espírita, Marco Prisco.) |