A vida no além

 

"149. Que sucede à alma no instante da morte ?

"Volta a ser espírito, isto é, volve ao mundo dos espíritos, donde se apartara momentaneamente."

(O Livro dos Espíritos, Alan Kardec.)

O ser humano, pertence desde esta vida a dois mundos. Pelo corpo físico está ligado ao mundo visível; pelo perispírito ao invisível. No sono acontece a separação temporária dos dois corpos; a "morte" é a separação definitiva. A alma, nos dois casos, separa-se do corpo físico e, com ela, a vida concentra-se no corpo perispiritual. A vida de além-túmulo é simplesmente a permanência e a libertação da parte invisível do nosso ser.

As religiões e as filosofias nos transmitem, acerca destes problemas, dados muitos incertos, absolutamente desprovidos de observação, e sobre quase todos os pontos, em desacordo completo com as idéias modernas de evolução.

A ciência por seu lado, não estudou nem conheceu, até aqui, no homem terrestre mais do que a superfície, a parte física. Quanto ao perispírito, de que o nosso cérebro físico não pode ter consciência, ela o tem ignorado quase que inteiramente até os nossos dias. Daí a sua impotência para resolver o problema da sobrevivência, pois que é só o ser fluídico que sobrevive. A ciência nada tem compreendido das manifestações psíquicas que se produzem no sono, no desprendimento, na exteriorização, no êxtase, em todas as fugas da alma para a vida superior. É unicamente pela observação desses fatos que chegaremos a adquirir, já nesta vida, um conhecimento positivo da natureza do "eu" e das suas condições de existência no além.

Foi somente depois do aparecimento do espiritualismo experimental que o problema da sobrevivência entrou no domínio da observação científica e rigorosa. O mundo invisível pôde ser estudado por meio de processos e métodos idênticos aos adotados pela ciência contemporânea nos outros campos da investigação.

A persistência da vida consciente, com todos os atributos que comporta, memória, inteligência, faculdades afetivas, foi estabelecida pelas numerosas provas de identidade pessoal recolhidas no decurso de experiências e investigações dirigidas por sociedades de estudos psíquicos em todos os países, principalmente no século passado. Os espíritos tem-se manifestados, aos milhares, não somente com o cunho de caráter e a totalidade das recordações que constituem a sua personalidade moral, mas também com as feições físicas e as particularidades da sua forma terrestre conservadas pelo perispírito ou corpo etéreo. Este, sabemos, não é mais do que o molde do corpo terrestre e é por isso que as feições e as formas humanas reaparecem nos fenômenos de materialização.

A situação do espírito depois da morte é a conseqüência direta das suas inclinações, seja para a matéria, seja para os bens da inteligência e do sentimento. Se as propensões materiais dominam, o ser forçosamente se imobiliza nos planos inferiores que são os mais densos, os mais grosseiros. Se alimenta pensamentos belos e puros, eleva-se a esferas em relação com a própria natureza dos seus pensamentos. "O céu está onde o homem põe o seu coração", todavia, não é imediata a classificação, nem súbita a transição...

A lei dos agrupamentos no espaço é a das afinidades. A ela estão sujeitas todos os espíritos. A orientação de seus pensamentos leva-os naturalmente para o meio que lhes é próprio; porque o pensamento é a própria essência do mundo espiritual, sendo a forma fluídica apenas o vestuário. Onde quer que seja, reúnem-se os que se amam e compreendem. "A vida é uma simples adaptação às condições exteriores".

Se é propenso as coisas da matéria, o espírito fica preso à terra e mistura-se com os homens que tem os mesmos gostos, os mesmos apetites; Quando é levado para o ideal, para os bens superiores, eleva-se sem esforço para o objeto dos seus desejos, une-se às sociedades do espaço, toma parte dos seus trabalhos e goza das harmonias do infinito...

Se o olhar humano não pode passar bruscamente da escuridão à luz viva, sucede o mesmo com a alma. O desencarne faz-nos entrar num estado transitório, espécie de prolongamento da vida física e prelúdio da vida espiritual. É o estado de perturbação de que falamos, estado mais ou menos prolongado segundo a natureza espessa ou etérea do perispírito.

Livre do fardo material que o oprimia, o espírito acha-se ainda envolvido na rede dos pensamentos e das imagens, sensações, paixões, emoções, por ele gerados no decurso das suas vidas terrestres; terá de familiarizar-se com a

sua nova situação, entrar no conhecimento do seu estado, antes de ser levado para o meio adequado ao seu grau de luz e densidade.

A princípio, para o maior número, tudo é motivo de admiração nesse outro mundo onde as coisas diferem essencialmente do meio terrestre. As leis da gravidade são mais brandas, as paredes não são obstáculos; a alma pode atravessá-las e elevar-se aos ares. Não obstante, continua retida por certos estorvos que não pode definir. Tudo a intimida e enche de hesitação, mas os seus amigos de lá vigiam-na e guiam-lhe os primeiros vôos.

Os espíritos adiantados depressa se libertam de todas as influências terrestres e recuperam a consciência de si mesmos. O véu material rasga-se ao impulso dos seus pensamentos e abrem-se perspectivas imensas.

Compreendem quase logo a sua situação e com facilidade a ela se adaptam. Seu corpo espiritual, instrumento volitivo, organismo da alma, de que ela nunca se separa, que é a obra de todo o seu passado, porque pessoalmente o construiu e teceu com a sua atividade, flutua algum tempo na atmosfera; depois, segundo o seu estado de sutileza, de poder, corresponde às atrações longínquas, sente-se naturalmente elevado para associações similares, para agrupamentos de espíritos da mesma ordem, espíritos que rodeiam o recém-chegado com solicitude para o iniciarem nas condições do seu novo modo de existência.

Os espíritos inferiores conservam por muito tempo as impressões da vida material. Julgam que ainda vivem fisicamente e continuam, às vezes durante anos, o simulacro das suas ocupações habituais. Para os materialistas o fenômeno da morte continua a ser incompreensível. Por falta de conhecimento prévios confundem o corpo fluídico com o corpo físico e conservam as ilusões da vida terrestre. Os seus gostos e até as suas necessidades imaginárias como que os amarram à terra; depois, devagar, com o auxílio de espíritos bons, sua consciência desperta, sua inteligência abre-se à compreensão do seu novo estado; mas, desde que procuram elevar-se, sua densidade fá-los recair imediatamente na terra. As atrações planetárias e as correntes fluídicas do espaço os reconduzem violentamente para as nossas regiões, como folhas secas varridas pelo vento...

Os crentes ortodoxos vagueiam na incerteza e procuram a realização das promessas do sacerdote, o gozo da beatitude prometida. Por vezes é grande a sua surpresa; precisam de longo aprendizado para se iniciarem nas verdadeiras leis do mundo espiritual. Em vez de anjos ou demônios, encontram os espíritos dos homens que, como eles, viveram na terra e os precederam. Viva é a sua decepção ao verem suas esperanças malogradas, transformadas suas convicções por fatos para que de nenhum modo os preparara a educação que haviam recebido; todavia, se sua vida foi boa, submissa ao dever, não podem essas almas ser infelizes por terem sobre o destino mais influência os atos do que a crença.

Os espíritos cépticos e, com eles, todos aqueles que se recusaram a crer na possibilidade de uma vida independente do corpo, julgam-se mergulhados em um sonho. Este sonho só se dissipa quando acaba o erro em que estes espíritos laboram...

As impressões variam infinitamente, com o valor das almas. Aquelas que, desde a vida terrestre, conheceram a verdade e serviram à sua causa, recolhem, logo que desencarnarem , o benefício de suas investigações e trabalhos.

O pensamento cria, a vontade edifica. A causa de todas as alegrias e de todas as dores está na consciência e na razão; por isso é que, cedo ou tarde, encontramos no além as criações dos nossos sonhos e a realização das nossas esperanças. Mas, o sentimento da tarefa incompleta, ao mesmo tempo que os afetos e as lembranças, trazem novamente a maior parte dos espíritos à terra. Todas as almas encontram o meio que os seus desejos reclama, e hão de viver nos mundos sonhados, unidos aos seres que estimam; mas também aí encontram os prazeres, os sofrimentos que o seu passado gerou.

Nossas concepções e nossos sonhos seguem-nos por toda parte. No surto dos seus pensamentos e no ardor de sua fé, os adeptos de cada religião criam imagens nas quais supõem reconhecer os paraísos entrevistos. Depois, pouco a pouco se apercebem de que essas criações são fictícias, de pura aparência e comparáveis a vastos panoramas pintados na tela .

Aprendem então, a desprender-se deles e aspiram a realidades mais elevadas mais sensíveis. Sob nossa forma atual e no estreito limite de nossas faculdades, não poderíamos compreender as alegrias e os arroubos reservados aos espíritos superiores, nem as angústias profundas experimentadas pelas almas delicadas que chegaram aos limites da perfeição. A beleza está por toda parte; só os seus aspectos variam ao infinito, segundo o grau de evolução ou depuração dos seres. O espírito adiantado possui fontes de sensações e percepções infinitamente mais extensas e mais intensas do que as do homem terrestre, o conhecimento do passado e do futuro coexistem numa síntese indefinível.

Tudo o que o homem fez, quis, pensou, em si reverbera. Semelhante a um espelho, a alma reflete todo o bem e todo o mal feito. Estas imagens nem sempre são subjetivas. Pela intensidade da vontade, podem revestir uma natureza substancial; vivem e manifestam-se para nossa felicidade ou nosso sofrimento. Tendo-se, depois de desencarnada, torna o transparente, a alma julga-se a si mesma; só na presença do seu passado, vê reaparecerem todos os seus atos e as suas conseqüências, todos as suas faltas, até as mais ocultas. Para um criminoso não há descanso, não existe esquecimento. Sua consciência, justiceira, inflexível, persegue-o sem cessar.

Debalde procura ele escapar-lhe às obsessões; O suplício só poderá acabar, convertendo-se o remorso em arrependimento, ele aceita novas experiências terrestres, único meio de reparação e regeneração.

Em suma: Os sofrimentos independem, algumas vezes, de nós; muito mais vezes, contudo, são devidos à nossa vontade. Remonte cada um à origem deles e verá que a maior parte de tais sofrimentos são feitos de causas que lhe teria sido possível evitar. Quantos males, quantas enfermidades não deve o homem aos seus excessos, à sua ambição, numa palavra: ás sua paixões !

Aquele que sempre vivesse com sobriedade, que de nada abusasse, que fosse sempre simples nos gostos e modesto nos desejos, a muitas tribulações se forraria.

Os sofrimentos porque passa são sempre a conseqüência da maneira porque viveu na terra. Certo já não sofrerá de gotas, nem de reumatismo; no entanto, experimentará outros sofrimentos que nada ficam a dever àqueles.

Vimos que seu sofrer resulta dos laços que ainda o prendem à matéria; quanto mais livre estiver da influência desta, ou, por outra, quanto mais desmaterializado se achar, menos dolorosas sensações experimentará.

Está nas suas mãos libertar-se de tal influência desde a vida atual. Ele tem o livre-arbítrio, tem, por conseguinte, a faculdade de escolha entre o fazer e o não fazer.

Dome suas paixões animais; não alimente ódio, nem inveja, nem ciúme, nem orgulho; não se deixe dominar pelo egoísmo; purifique-se, nutrindo bons sentimentos; pratique o bem; não ligue às coisas deste mundo importância que não merecem, e, então, embora ainda encarnado, começará a se depurar, a se libertar do jugo da matéria e, quando desencarnar, não mais lhe sofrerá a influência...

Oliver

Fontes: (O livro dos Espíritos, Allan Kardec; E a Vida Continua, André Luiz; O problema do ser, do destino e da dor, Leon Denis.)

Voltar