CAPÍTULO 9
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO BRANDOS E PACÍFICOS
Injúrias e violências. - Instruções dos Espíritos: A afabilidade e a doçura. -A paciência. - Obediência e resignação. - A cólera.
2. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. (Id., v.9.) 3. Sabeis que foi dito aos antigos: Não matareis e quem quer que mate merecerá condenação pelo juízo. - Eu, porém, vos digo que quem quer que se puser em cólera contra seu irmão merecerá condenado no juízo; que aquele que disser a seu irmão: Raca, merecerá condenado pelo conselho; e que aquele que lhe disser: És louco, merecerá condenado ao fogo do inferno. (Id., vv. 21 e 22.) 4. Por estas máximas, Jesus faz da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes. Raca, entre os hebreus, era um termo desdenhoso que significava homem que não vale nada, e se pronunciava cuspindo e virando para o lado a cabeça. Vai mesmo mais longe, pois que ameaça com o fogo do inferno aquele que disser a seu irmão: És louco. Evidente se torna que aqui, como em todas as circunstâncias, a intenção agrava ou atenua a falta; mas, em que pode uma simples palavra revestir-se de tanta gravidade que mereça tão severa reprovação? E que toda palavra ofensiva exprime um sentimento contrário à lei do amor e da caridade que deve presidir às relações entre os homens e manter entre eles a concórdia e a união; é que constitui um golpe desferido na benevolência recíproca e na fraternidade que entretém o ódio e a animosidade; é' enfim, que, depois da humildade para com Deus, a caridade para com o próximo é a lei primeira de todo cristão. 5. Mas, que queria Jesus dizer por estas palavras: "Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra", tendo recomendado aos homens que renunciassem aos bens deste mundo e havendo-lhes prometido os do céu? Enquanto aguarda os bens do céu, tem o homem necessidade dos da Terra para viver. Apenas, o que ele lhe recomenda é que não ligue a estes últimos mais importância do que aos primeiros. Por aquelas palavras quis dizer que até agora os bens da Terra são açambarcados pelos violentos, em prejuízo dos que são brandos e pacíficos; que a estes falta muitas vezes o necessário, ao passo que outros têm o supérfluo. Promete que justiça lhes será feita, assim na Terra como no céu, porque serão chamados filhos de Deus. Quando a Humanidade se submeter à lei de amor e de caridade, deixará de haver egoísmo; o fraco e o pacífico já não serão explorados, nem esmagados pelo forte e pelo violento. Tal a condição da Terra, quando, de acordo com a lei do progresso e a promessa de Jesus, se houver tornado mundo ditoso, por efeito do afastamento dos maus.
A afabilidade e a doçura 6. A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que lhe são as formas de manifestar-se. Entretanto, nem sempre há que fiar nas aparências. A educação e a frequentação do mundo podem dar ao homem o verniz dessas qualidades. Quantos há cuja fingida bonomia não passa de máscara para o exterior, de uma roupagem cujo talhe primoroso dissimula as deformidades interiores! O mundo está cheio dessas criaturas que têm nos lábios o sorriso e no coração o veneno; que aso brandas, desde que nada as agaste, mas que mordem à menor contrariedade; cuja língua, de ouro quando falam pela frente, se muda em dardo peçonhento, quando estão por detrás. A essa classe também pertencem esses homens, de exterior benigno, que, tiranos domésticos, fazem que suas famílias e seus subordinados lhes sofram o peso do orgulho e do despotismo, como a quererem desforrar-se do constrangimento que, fora de casa, se impõem a si mesmos. Não se atrevendo a usar de autoridade para com os estranhos, que os chamariam à ordem, acham que pelo menos devem fazer-se temidos daqueles que lhes não podem resistir. Envaidecem-se de poderem dizer: "Aqui mando e sou obedecido", sem lhes ocorrer que poderiam acrescentar: "E sou detestado." Não basta que dos lábios manem leite e mel. Se o coração de modo algum lhes está associado, só há hipocrisia. Aquele cuja afabilidade e doçura não são fingidas nunca se desmente: é o mesmo, tanto em sociedade, como na intimidade. Esse, ao demais, sabe que se, pelas aparências, se consegue enganar os homens, a Deus ninguém engana. - Lázaro. (Paris, 1861.)
7. A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos; não vos aflijais, pois, quando sofrerdes; antes, bendizei de Deus onipotente que, pela dor, neste mundo, vos marcou para a glória no céu. Sede pacientes. A paciência também é uma caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil de todas. Outra há, porém, muito mais penosa e, conseguintemente, muito mais meritória: a de perdoarmos aos que Deus colocou em nosso caminho para serem instrumentos do nosso sofrer e para nos porem à prova a paciência. A vida é difícil, bem o sei. Compõe-se de mil
nadas, que são outras tantas picadas de alfinetes, mas que acabam por ferir. Se, porém,
atentarmos nos deveres que nos são impostos, nas consolações e compensações que, por
outro lado, recebemos, havemos de reconhecer que são as bênçãos muito mais numerosas
do que as dores. O fardo parece menos pesado, quando Coragem, amigos! Tendes no Cristo o vosso modelo. Mais sofreu ele do que qualquer de vós e nada tinha de que se penitenciar, ao passo que vós tendes de expiar o vosso passado e de vos fortalecer para o futuro. Sede, pois, pacientes, sede cristãos. Essa palavra resume tudo. - Um Espírito amigo. (Havre, 1862.)
8. A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antigüidade material desprezava. Ele veio no momento em que a sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Veio fazer que, no seio da Humanidade deprimida, brilhassem os triunfos do sacrifico e da renúncia carnal. Cada época é marcada, assim, com o cunho da
virtude ou do vício que a tem de salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a
atividade intelectual; seu vicio é a indiferença moral. Digo, apenas, atividade, porque
o gênio se eleva de repente e descobre, por si só, horizontes que a multidão somente
mais tarde verá, enquanto que a atividade é a reunião dos
9. O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar; a vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então? - Entregais-vos à cólera. Pesquisai a origem desses acessos de demência
passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a razão;
pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. Que é o que vos faz repelir,
coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho ferido por uma contradição?
Até mesmo as impaciências, que se originam de Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia! Imagine ele por aí que impressão produzirá nos outros. Quando não fosse pelo respeito que deve a si mesmo, cumpria-lhe esforçar-se por vencer um pendor que o torna objeto de piedade. Se ponderasse que a cólera a nada remedeia, que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a sua primeira vítima. Mas, outra consideração, sobretudo, devera contê-lo, a de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se, num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar toda a sua vida! Em suma, a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. O espírita, ao demais, é concitado a isso por outro motivo: o de que a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs. - Um Espírito protetor. (Bordéus, 1863.) 10. Segundo a idéia falsíssima de que lhe não é
possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar
esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa-vontade se compraz, ou que exigiriam
muita perseverança para serem extirpados. E assim, por exemplo, que o indivíduo,
propenso a encolerizar-se, quase sempre se desculpa com o seu temperamento. Em vez de se
confessar culpado, lança a culpa ao seu organismo, acusando a Deus, dessa forma, de suas
próprias faltas. É ainda uma conseqüência do orgulho que se encontra de permeio a
todas as suas imperfeições. O corpo não dá cólera àquele que não na tem, do
mesmo modo que não dá os outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são
inerentes ao Espírito. A não ser assim, onde estariam o mérito e a responsabilidade? O
homem deformado não pode tornar-se direito, porque o Espírito nisso não pode atuar;
mas, pode modificar o que é do Espírito, quando o quer com vontade firme. Não vos
mostra a experiência, a vós espíritas, até onde é capaz de ir o poder da vontade,
pelas transformações verdadeiramente miraculosas que se operam sob as vossas vistas?
Compenetrai-vos, pois, de que o homem não se conserva vicioso, senão porque quer
permanecer vicioso; de que aquele que queira corrigir-se sempre o pode. De outro
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